Crimes tributários e o novo acordo de não persecução penal

Recentemente introduzido no ordenamento jurídico brasileiro (Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019), o acordo de não persecução penal (ANPP) é uma alternativa viável para contribuintes investigados ou acusados de crimes tributários ou previdenciários. No aspecto prático, o ponto a ser debatido é a possibilidade de tal acordo ser celebrado sem que ocorra a reparação do dano — isto é, o pagamento do tributo.

Em uma rápida explicação, o ANPP é aplicável para todos os crimes cometidos sem violência ou grave ameaça e com penas mínimas que não ultrapassem os quatro anos. Sua aplicação, portanto, é possível para todos os crimes empresariais, incluindo os delitos tributários.

Para fazer o acordo, o acusado deve admitir os fatos e reparar o dano. Não será instaurado um processo, sendo prontamente aplicada a pena de prestação de serviço à comunidade por período correspondente à pena mínima, diminuída de um a dois terços. A vantagem da celebração do ANPP é a previsibilidade da sanção, afastando a possibilidade de uma pena de prisão.

Apesar de uma das condições legais para o ANPP ser a reparação do dano, em se tratando de crimes fiscais, não se poderá exigir a quitação do valor sonegado ou apropriado para a assinatura do acordo. Ao contrários dos demais crimes empresariais, os delitos fiscais apresentam características que excepcionam a regra processual penal que prevê a obrigação de reparar o dano causado pelo crime.

Uma das particularidades dos crimes tributários é a possibilidade de o Estado obter a reparação o dano por meio da execução fiscal. Como consequência, nos casos em que ocorre a condenação por sonegação fiscal, a jurisprudência opta por afastar “a imposição aos réus da obrigação de reparar o dano causado à Fazenda Pública, que tem a possibilidade de recuperar os valores sonegados mediante a inscrição em dívida ativa, com o ajuizamento da execução fiscal” (TJ-SP, Apelação 0011675-68.2012.8.26.0024, j. 6/2/18). Se o Fisco é plenamente aparelhado para fixar e obter o ressarcimento do valor sonegado, não há a necessidade de intervenção do Direito Penal.

Há ainda uma outra característica dos delitos tributários que resulta na não obrigação de reparar o dano para celebração do ANPP. Ao contrário dos demais crime empresariais, a reparação do dano extingue a punibilidade dos crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita previdenciária.

Se o pagamento do tributo faz desaparecer o crime, como consequência, pelo princípio da proporcionalidade e por imperativo lógico, a reparação do dano não pode ser exigida como condição para um ANPP, pois o pagamento já subtrai do Ministério Público o poder de acusar ou mesmo de negociar. Esse tema já foi objeto de discussão jurisprudencial ao se discutir a reparação do dano em crime tributário como uma obrigação para a suspensão condicional do processo. Considerando que a quitação do imposto “teria como consequência a própria extinção da punibilidade”, o TJ-SP verificou um “impedimento incoerente ao benefício do artigo 89 da Lei 9.099/95”, arrematando que, “afinal, a lógica evidencia que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo” (Habeas Corpus 2102385-65.2018.8.26.0000, j. 28/6/18).

Assim, diante do atual entendimento jurisprudencial, o acordo de não persecução penal pode ser livremente aplicado aos acusados por crimes tributários e previdenciários, sem que se imponha a obrigação de reparação do dano.

 

José Luis Oliveira Lima é advogado criminalista, sócio do Oliveira Lima e Dall’Acqua Advogados e membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Foi presidente da Comissão de Prerrogativas e Direitos da OAB-SP.

Rodrigo Dall’Acqua é advogado criminalista, sócio do Oliveira Lima e Dall’Acqua Advogados e membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).

Disponível em: Revista Consultor Jurídico, 7 de março de 2020, 6h30