Violação de prerrogativas de advogados não resolve criminalidade

“Nós queremos segurança e desenvolvimento. Mas queremos segurança e desenvolvimento dentro do Estado de Direito”.
(Gofredo da Silva Telles Jr.)

A liberdade dos advogados implica na garantia dos direitos e interesses dos cidadãos. A ampla defesa, garantida constitucionalmente, é extensiva a todos. Obviamente, o exercício da Advocacia contempla igualmente o cidadão modelo e o criminoso, sendo que no segundo caso essa relação não implica em acumpliciamento do advogado com o cliente ou em tirar qualquer tipo de proveito delituoso dessa relação, como inferem os detratores da Advocacia. Na justificativa de combater o crime organizado, atacam-se, criticam-se e restringem as prerrogativas profissionais dos advogados, o que não terá efeitos práticos sobre a criminalidade, mas terá nefastas conseqüências para o Estado Democrático do Direito.

A Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo baixou uma resolução determinando que advogados de acusados que estão detidos em regime especial, solicitem aos diretores dos presídios data e horário para entrevistarem seus clientes. Tal determinação, que até o momento está referendada pelo Poder Judiciário, tem como finalidade coibir supostos abusos na relação advogado – cliente. É importante salientar que esta resolução data de julho de 2002. Portanto, todos os acontecimentos que antecederam o fato ocorrido com o ilustre magistrado de Presidente Prudente já estavam sob as regras da citada resolução. Nos tempos da ditadura, os advogados de presos políticos também tinham dificuldades para entrevistarem seus clientes. Mas mesmo as mais audaciosas Autoridades daquela época não tiveram a ousadia de editar uma norma tão autoritária e descabida.

A resolução em nada protege a sociedade e muito menos diminui a violência. Pelo contrário, demonstra que o Estado, mesmo tendo sob a sua guarda presos, é incompetente na manutenção dos mesmos. Em nada, repita-se, em nada essa resolução é eficaz para a diminuição do alto índice de criminalidade do nosso Estado.

O direito constitucional de ampla defesa, garantido pela nossa Carta Magna, não pode ser violado com o pretexto de assegurar a ordem pública. A garantia ao preso de assistência de advogado nada mais é do que um desdobramento do direito de defesa, especificamente prevista na Constituição Federal (Art. 5º, inciso LXIII) e regulamentada pela Lei Federal nº 8.906 de 1.994, que assegura ao profissional da advocacia o direito de manter contato com o cliente preso, até mesmo com aqueles detentos considerados incomunicáveis.

A relação entre advogado – cliente é sagrada no mundo inteiro. Ela é intocável até nos países onde a legislação é mais rigorosa. Na época do governo Collor, criou-se a Lei dos Crimes Hediondos. Por acaso a violência diminuiu? Nos países onde há a pena de morte, por acaso a violência diminuiu? A criação de presídios de segurança máxima, vide Bangu 1, por acaso diminuiu a violência? É claro que não.

Como bem salientou o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio, não será o endurecimento das Leis penais ou a violação do direito de defesa que irão diminuir os índices de criminalidade. A distribuição de renda, os investimentos na educação e nas condições básicas para que as classes menos favorecidas possam ter uma vida digna é que irão baixar os índices de criminalidade. Ao invés de almejarem o lucro fácil das drogas e da vida criminosa, essa parcela da sociedade irá desfrutar do ensino escolar e de condições de trabalho. Isso, com certeza, é que irá diminuir os altos índices de exclusão.

A violação ao sagrado direito de defesa não pode ser admitido. Magistratura e Ministério Público não podem se calar aos setores conservadores da nossa sociedade, que, procurando o caminho mais rápido e nefasto, querem atingir o tão sagrado direito de defesa. Hoje fala-se com naturalidade de interceptação ambiental em parlatórios, interrogatório judicial on line, agendamento de entrevista com acusados detidos.

Daqui a pouco, o direito de defesa não será mais considerado fundamental. Vale a lembrança do Prêmio Nobel da Literatura, o português José Saramago: “O leitor atento já compreendeu aonde eu quero chegar com esta prosa: é que por baixo ou trás do que se vê, há sempre mais coisas que convém não ignorar, e que dão, se conhecidas, o único saber verdadeiro” (A Bagagem do Viajante – Crônicas, Companhia das Letras).

Está na hora dos operadores do direito descerem de seus pedestais e dizerem a que vieram. Chega de propostas inócuas. Chega de demagogia. Chega de propostas que só querem aplausos, pouca verdade e nenhum resultado, porque o Brasil precisa é de medidas corajosas, honestas, que visem efetivamente o bem estar da coletividade.

A violação as prerrogativas dos advogados não atinge apenas aos profissionais, mas a toda sociedade, porque sempre que o advogado tiver a sua prerrogativa violada, na verdade estar-se-á violando o direito do cidadão de ser defendido dentro do ordenamento jurídico vigente. Essa violação representa um atentado contra o Estado Democrático de Direito. Com a palavra os demais operadores do direito.

Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico em 13/05/2003.