Crime, criptoativos e os efeitos da nova lei

Por José Luis Oliveira Lima, Millena Galdiano e Rodrigo Dall’Acqua

A Justiça Criminal irá tratar as operações com criptoativos de forma completamente diferente a partir deste mês de junho, quando entra em vigor o Marco Legal dos Criptoativos (Lei nº 14.478/2022).

A principal mudança é a criação do crime de fraude com a utilização de ativos virtuais, uma espécie de estelionato por meio de criptomoedas. Será punido com pena de reclusão de quatro a oito anos aquele que, ao intermediar operações que envolvam ativos virtuais, obtenha vantagem ilícita, em prejuízo alheio, por meio de “artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”. O mesmo crime se aplica para quem organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras que envolvam ativos virtuais.

O Marco Legal dos Criptoativos vai mudar também a Lei de Lavagem de Dinheiro, incluindo, como uma causa de aumento de pena, o cometimento do crime de lavagem por meio do uso de ativo virtual. Além disso, a nova lei também inserirá as prestadoras de serviços de ativos virtuais no rol das pessoas obrigadas a identificar clientes, manter registros de transações, adotar políticas de controle interno, auxiliando nas medidas anti-lavagem.

Por fim, a norma alterará a Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Toda empresa que oferecer serviços referentes a operações com ativos virtuais, inclusive intermediação, negociação ou custódia, agora será equiparada à uma instituição financeira para fins penais. Significa dizer que os mesmos crimes da famosa “lei do colarinho branco”, aplicáveis aos banqueiros, também serão aplicáveis aos operadores de criptoativos.

O principal impacto desta nova lei virá por força do novo crime de fraude com uso de criptoativos. Até agora, os crimes envolvendo ativos virtuais eram enquadrados no clássico estelionato, previsto do artigo 171 do Código Penal. Os casos mais complexos e com diversas vítimas eram classificados como “pirâmide financeira”, um tipo de crime contra a economia popular criado na década de 50.

A partir do mês de junho, uma fraude relacionada a ativos virtuais será punida com pena extremamente mais grave do que o simples estelionato, afastando a possibilidade de acordos e tornando provável a aplicação da pena de prisão.

A rigidez do Marco Legal dos Criptoativos se explica pelas repetidas notícias envolvendo a descoberta de esquemas de pirâmides, falência de corretoras importantes e até fraudes que lesaram jogadores de futebol.

No entanto, a propagação midiática de situações negativas envolvendo criptoativos, somada ao desconhecimento técnico sobre o tema, trazem uma preocupação jurídica acerca de como será a aplicação prática da nova lei penal. O preconceito contra criptoativos é ainda muito forte, gerando o risco de o novíssimo crime ser aplicado de forma indiscriminada e injusta.

Por exemplo, o simples fato de uma operação de criptoativos gerar prejuízo não autoriza a conclusão automática de que houve fraude. O prejuízo faz parte do risco de qualquer negócio. Ainda que seja imenso o descontentamento do investidor, a Polícia e o Ministério Público devem ponderar se houve o uso de “artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento” e não criminalizar qualquer operação malsucedida envolvendo criptoativos.

A herança negativa que permeia o mundo cripto, aliada ao natural desconhecimento do Poder Judiciário sobre o novo tema, pode desencadear uma enxurrada de investigações e ações penais indevidas. Os operadores de criptomoedas devem estar preparados para demonstrar a licitude de suas operações em um cenário de perdas e diante de um investigador com pouco ou nenhum conhecimento técnico.

José Luis Oliveira Lima é advogado criminalista, sócio do Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados, e ex-presidente da Comissão de Prerrogativas e Direitos da OAB-SP e membro do Innocence Project Brasil.

Millena Galdiano é advogado criminalista do Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados.

Rodrigo Dall’Acqua é advogado criminalista, sócio do Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados e membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).

Revista Consultor Jurídico, 30 de maio de 2023, 9h19 https://www.conjur.com.br/2023-mai-30/opiniao-crime-criptoativos-efeitos-lei2