Greenwashing, chegou a hora das máscaras caírem

Legislação criminal prevê punições para fraude e para a prestação de informação falsa aos investidores

Rodrigo Dall’Acqua em coautoria

 

Cada vez mais o termo ESG (em português, Ambiental, Social e Governança) tem direcionado consumidores e investidores para corporações que se mostram comprometidas com as boas práticas ambientais, sociais e de governança. De maneira oportunista, algumas empresas falsamente se declaram como “verdes” ou sustentáveis, incidindo na prática do Greenwashing (termo melhor traduzido como “maquiagem verde”).

O Greenwashing consiste em uma prática mentirosa ou de duvidosa verdade, quase sempre ineficaz e sem balizamento técnico ou legal, de promover condutas, discursos, anúncios e propagandas com características ambientalmente responsáveis e sustentáveis.

A União Europeia conduziu uma pesquisa focada em greenwashing, analisou 500 websites e detectou indícios de afirmações enganosas em 42% dos casos. Os sites continham afirmações vagas e imprecisas – como “eco-friendly” – ou não apresentavam evidências para sustentar suas alegadas boas práticas. Isto se verifica no mundo inteiro inclusive no Brasil. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor analisou 509 produtos em nossos supermercados e concluiu que 48% praticam alguma forma de greenwashing.

O greenwashing tem a intenção de criar uma falsa aparência de sustentabilidade, induzindo o consumidor ao erro, uma vez que, ao comprar o produto ou serviço, ele acredita que está contribuindo para a causa ambiental, social e de governança, mas na realidade não esta.

Legislação criminal prevê punições para fraude e para a prestação de informação falsa aos investidores

A maquiagem é tão frequente, que muitas vezes passa a ser assumida como máxima absoluta e não mais questionada. Quantas vezes já nos deparamos com campanhas do tipo “100% natural”, “produto eco”, “produto orgânico”, “tratamos nossos resíduos”, “compensamos toda a emissão de carbono”, sendo levados a acreditar que aquela marca, empresa, ou produto, efetivamente tem ações efetivas com o Meio Ambiente, Social e Governança. Geralmente com palavras-chaves, ilustrações de natureza, ou alegações vagas, muitas empresas praticam greenwashing e em alguns casos ainda causam impactos negativos ao meio ambiente.

A “maquiagem verde” pode vir de forma sutil ou até superficial, uma vez que há uma leitura de que a sociedade se preocupa apenas com a imagem, com a casca, e não com o conteúdo, com o funcionamento, processo e correição. Em outras palavras, pode-se alterar com frequência a vitrine, a imagem, a propaganda, a embalagem, mas não o DNA. Não diferente acontece com o greenwashing. O “Verde” pode ter vários tons:

“Verde somente no nome” – A maquiagem que ocorre quando as empresas não cumprem com seus compromissos legais, regulatórios e públicos bem como obrigações ligadas à ESG, ainda que adote um discurso como tal.

“Verde superficial” – Essa maquiagem pode ser vista em inconsistências entre a posição declarada ou implícita de uma empresa e suas ações sobre questões ESG

“Verde pouco nítido” – Declarando compromissos para obter resultados de S&R e ESG, mas não fornecendo evidências ou explicando como esses resultados serão alcançados;

“Claramente pseudo-verde” – Declarando compromissos para buscar ou alcançar ESG ES&R, mas na verdade usando métodos ou tendo resultados inapropriados ou ineficientes.

Apesar de uma sociedade bastante acostumada com o supérfluo, vem nascendo uma grande movimentação que está colocando em xeque tais práticas, a “maquiagem” ou a “máscara” está caindo, causando péssimas consequências econômicas, reputacionais e até penais para a empresa e seus dirigentes

No Brasil, o combate ao greenwashing se intensificará com a crescente regulamentação ESG, principalmente com as novas regras do Banco Central, CVM e Ambima.

Em 2022 passam a valer regras do Banco Central que preveem, dentre outros temas, a divulgação de Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas. Também no presente ano, entram em vigor regras da Anbima para identificação de fundos sustentáveis. Os fundos deverão divulgar seus dados com transparência, metodologia e responsabilidade, informações afiançadas por meio de compromisso formal do gestor.

E, a partir de 2023, a CVM solicitará de companhias abertas, quando do preenchimento do formulário de referência, dados sobre os aspectos ambientais, sociais e de governança de suas atividades.

A propositura de ações de responsabilidade civil e administrativa contra pessoas jurídicas por eventual Greenwashing será uma consequência da crescente regulamentação ESG. As ações podem ser propostas por associações ou consumidores que se sintam lesados por informações enganosas, além de procedimentos sancionatórios instaurados pelos próprios órgãos administrativos.

Na área criminal, empresas que oferecem produtos ou serviços se proclamando falsamente em conformidade ESG podem ter seus executivos expostos ao delito de publicidade enganosa, infração de menor potencial ofensivo prevista no Código de Defesa do Consumidor.

No âmbito dos crimes de colarinho branco, a legislação criminal sobre o mercado financeiro e de capitais prevê punições para a fraude na gestão de instituições financeiras e para a prestação de informação falsa aos investidores. Esses delitos estão vinculados ao descumprimento doloso das regras do Banco Central e CVM, fazendo com que a atual escassez de legislação ESG dificulte a caracterização destes crimes. Porém, a despeito da ausência de crimes específicos sobre Greenwashing, informações sobre investimentos que sejam flagrantemente falsas, prestadas com dolo e que alterem a verdade sobre fato juridicamente relevante, podem caracterizar o crime de falsidade ideológica.

As novas regras criadas no Brasil exigem mais responsabilidade das empresas, sob pena de sofrerem acusações de Greenwashing na forma de ações judiciais, procedimentos administrativos ou crises de imagem. Para sua proteção, a companhia deve buscar um programa de compliance bem implementado, com objetivos pontuais e passíveis de concretização, certificação, métrica, metodologia, e especialmente, demonstração ao mercado das efetivas contribuições com o aspecto Ambiental, Social e de Governança.

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Luis Carlos Szymonowicz, sócio fundador de Szymonowicz Advogados, mestre em direito pela Universidade de São Paulo, presidente da Câmara de Comércio Belgo-Luxemburguesa no Brasil

Rodrigo Dall’Acqua, advogado criminalista, especializado em direito penal econômico pela Universidade de Coimbra e em direito ambiental pela FGV-SP.

Luana Szymonowicz, sócia de Szymonowicz Advogados, especializada em direito empresarial e compliance.

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