A censura prevista em lei

Não há instrumentos mais ameaçadores para um regime autoritário do que a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Combinados, tais princípios constituem importantes vetores de mobilização social, que podem resultar na queda de governadores, ministros, congressistas ou até mesmo de um presidente.

Não por outra razão, ditaduras passadas e presentes têm por característica comum a tentativa de silenciamento de opositores, e não apenas através de instrumentos de coação física. A criminalização da crítica, por parte de governos autoritários, por vezes se dá sob um ar de legalidade e legitimidade, mediante a edição de leis. E foi exatamente isso que ocorreu no Brasil com a chamada Lei de Segurança Nacional, promulgada em pleno período de ditadura militar, e que traz em seu bojo um mal disfarçado projeto de blindagem de autoridades.

Quase 40 anos após a edição da LSN, com o Brasil experimentando o que até pouco tempo acreditava-se ser uma democracia consolidada, o artigo 26 da lei em questão passou a ser utilizado para fundamentar uma verdadeira caçada aos críticos do atual governo. Por reiteradas vezes, investigações foram abertas contra opositores do presidente Jair Bolsonaro com base nesse tipo penal, que criminaliza a conduta de “caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”.

O fato de tais investigações, lastreadas na Lei de Segurança Nacional, terem partido de representações elaboradas pelo Ministério da Justiça, é sintomático dos tempos desafiadores que vivemos. Um órgão estatal, valendo-se de uma legislação que pode ser classificada, no melhor dos casos, como autoritária e ultrapassada, dá início a investigações contra jornalistas, adversários políticos e cidadãos comuns por criticarem o presidente da República, ignorando por completo o direito à livre manifestação e à liberdade de imprensa. E tudo isso sem qualquer constrangimento, transformando o exercício do absurdo em atividade corriqueira.

A situação se tornou insustentável a ponto de diversos partidos políticos, assim como a Defensoria Pública da União, requisitarem a intervenção do Supremo Tribunal Federal. De outro lado, o Congresso Nacional também manifestou seu interesse em assumir o protagonismo da discussão, propondo um amplo e urgente debate a respeito da Lei de Segurança Nacional e de sua possível reforma, transformando-a em “Legislação da Defesa do Estado Democrático de Direito”.

Seja pela atuação do STF ou do Congresso, quem sai perdendo é o Governo Federal, que, ao que tudo indica, será privado de um instrumento que vinha sendo utilizado para censurar e constranger seus críticos. Nesse sentido, a intervenção do Judiciário e do Legislativo serve como demonstração prática da aplicação do sistema de freios e contrapesos, marca registrada de regimes democráticos. Uma mensagem clara de valorização da liberdade de expressão e pensamento.

*José Luis Oliveira Lima e Daniel Kignel, advogados criminalistas, sócios do escritório Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados

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